Compre bons negócios antes que fiquem muito caros. Essa é a máxima dita por todos os investidores de longo prazo, não é mesmo? Mas será que ainda é possível comprar ações de boas empresas a preços atraentes? Claro que sim!
Após ler esse texto, você poderá usar uma estratégia simples e fácil, que vai te permitir identificar oportunidades antes de qualquer outro investidor. A estratégia é simples, pois requer apenas a capacidade de observação, e é fácil porque qualquer pessoa pode aplicá-la em suas decisões de investimentos, mesmo sem ser analista financeiro.
Mas, antes de avançarmos para a estratégia, vamos nivelar um conceito muito importante.
Hipótese do mercado eficiente
Acadêmicos do mercado financeiro, em especial durante o século XX, estudaram se seria possível obter retornos anormais a partir de informações coletadas no próprio mercado.
Em poucas palavras, retornos anormais são aqueles que não se pode explicar pela quantidade de risco a que o investidor se expõe. Por exemplo, se investidor aplica em um ativo mais conservador e obtém retornos superiores àqueles esperados para mercados de maior risco, ele está tendo retornos anormais.
Há muito estudo por trás da teoria do mercado eficiente, porém, podemos resumir na conclusão mais aceita atualmente:
O preço atual de um ativo, ajustado ao risco, já reflete todas as informações públicas disponíveis e todas as informações contidas nos preços passados.
A proposição acima quer dizer que não dá para extrair retornos anormais do mercado, baseando-se apenas no histórico de preços ou em informações públicas.
A hipótese do mercado eficiente é um tema tão cheio de nuances, que merece um post dedicado somente a ele. Mas, por enquanto, nos basta saber sua conclusão mais aceita.
Agora temos um problema. Já que não dá para extrair retornos anormais de informações públicas e nem de preços passados, como podemos performar de forma excepcional no mercado financeiro?
Como obter retornos maiores?
Simples: não desperdice seu tempo observando preços passados. Se esforce para obter informações que ainda não são públicas.
Mas, como assim? Não é preciso ser multimilionário e muito bem relacionado para ter esse tipo de informação?
Não necessariamente. A verdade é que uma informação é dita pública quando é oficialmente divulgada pela empresa na forma de fato relevante, ou de um relatório trimestral de performance publicado em seu site de relações com investidores.
Ou seja, qualquer outra forma de informação pode ser considerada como não pública. E é aí que o investidor diligente e inteligente sai na frente.
Observando o mercado e a economia real
Aqui, cabe a história de João, um encanador de uma companhia de abastecimento de água que cuidava das bombas do sistema de tratamento. Na empresa em que ele trabalha, havia três tipos de bombas: as com motores alemães, as com motores fabricados nos Estados Unidos e aquelas com motores brasileiros. João observou que as bombas com motores fabricados em terras tupiniquins apresentavam qualidades superiores às de seus concorrentes gringos.
João então pensou: “Se os produtos dessa empresa brasileira são melhores até do que os produtos fabricados em países mais capitalizados e desenvolvidos, vale a pena ser sócio da empresa que fabrica e vende esses motores.”
Foi assim que João, após uma boa diligência contábil e avaliação do mercado de bombas e motores elétricos, se tornou acionista da Weg, muito antes desta empresa entrar no radar dos analistas financeiros. Com isso, ele viu seu patrimônio crescer e seu yield on cost aumentar.
Essa estratégia de observar o mercado e a economia real pode ser usada por vendedores de concessionárias multimarcas, ao observar qual montadora tem atraído mais clientes; por médicos e dentistas, ao identificar qual seguradora tem retido mais clientes; por estoquistas de supermercado, ao observar quais marcas estão tendo seu estoque consumido mais rapidamente, entre outros inúmeros exemplos. Enfim, basicamente, qualquer pessoa observadora e diligente pode usar essa estratégia para obter informações que ainda não são oficialmente públicas e, com isso, antecipar-se aos movimentos do mercado.
Isso é observar a economia real ou, em outras palavras, observar as transações e negociações acontecendo na prática, na vida real, além dos números apresentados nos relatórios emitidos pelas firmas.
Mas, apenas com essa estratégia, é possível obter retornos maiores na bolsa?
Naturalmente, a resposta é não! Porém, essa estratégia funciona muito bem como “uma bússola capaz de apontar um norte” para o investidor. Observar a economia real pode te levar a olhar com mais atenção para uma determinada empresa ou setor. A partir daí, cabe realizar uma série de análises mais profundas a fim de definir se, efetivamente, vale a pena investir naquele negócio.
A grande vantagem dessa estratégia é a antecipação que ela te proporciona. Entretanto, para ser capaz de aproveitar essa antecipação, é necessário estar atento para enxergar o óbvio que está estampado para todos, mas que somente os mais vigilantes conseguem ver.
No exemplo anterior, a qualidade incontestável do tal motor elétrico brasileiro era evidente a todos os encanadores da companhia, contudo, apenas o João teve a atenção necessária para traduzir essa informação em resultado financeiro.
A desvantagem dessa estratégia é que ela pode levar um investidor desatento a tomar decisões precipitadas e até mesmo equivocadas. Isso porque este tipo de observação não costuma ser representativa. Ainda no exemplo acima, não é possível ter certeza de que todos os motores comercializados pela fabricante brasileira são melhores que seus concorrentes. A única informação posta é que, dentro do grupo de motores comprados pela companhia de abastecimento de água, aqueles da Weg se destacavam positivamente.
Um investidor diligente e inteligente, como o João, aproveita essa informação presuntiva e investiga mais a fundo. Ele verifica, no site da firma, o avanço do lucro operacional nos últimos anos, compara os investimentos em melhoria de maquinário com a depreciação desses ativos, verifica a relação entre o dinheiro em caixa e a quantidade de dívida, entre outros fatores. O somatório de todas as informações colhidas é o que dá subsídio à decisão final de investir ou não na companhia que se decidiu estudar, devido a uma observação da economia real.
Mas, não é ilegal negociar com informações privilegiadas?
Sim, é ilegal negociar com informações privilegiadas. Mas, de acordo com o estudo jurídico abaixo, é possível verificar que, a menos que você seja sócio ou funcionário do alto escalão da companhia que você está estudando, é muito difícil que você, verdadeiramente, possua uma informação privilegiada que te leve a ser impedido de negociar ações da tal companhia.
Abaixo, apresento um recorte do texto legal mais atual que tipifica a negociação de valores mobiliários com o uso de informação privilegiada.
RESOLUÇÃO CVM Nº 44, DE 23 DE AGOSTO DE 2021
Art. 13. É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, mediante negociação de valores mobiliários.
Muito antes disso, ainda no século passado, o legislador já se preocupou em garantir que as informações relevantes fossem imediatamente divulgadas ao público em geral, conforme consta no trecho seguinte:
LEI Nº 6.404, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1976 Art. 157
§ 4º Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.
§ 6o Os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia.
Mas, ainda faltava definir o que seria essa tal informação relevante ou informação privilegiada, até para dar segurança jurídica aos investidores em geral. Para isso, precisamos retornar ao presente, em que, não somente o legislador definiu, como deu exemplos, facilitando muito a compreensão:
RESOLUÇÃO CVM Nº 44, DE 23 DE AGOSTO DE 2021
Art. 2º Considera-se relevante, para os efeitos desta Resolução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:
I – Na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;
II – Na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; ou
III – Na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.
Parágrafo único. Observada a definição do caput, são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:
A partir daí, segue uma lista de 22 EXEMPLOS de atos ou fatos ponderáveis cujos itens mais importantes para o investidor diligente e inteligente são:
- Questões relacionadas a novos contratos ou projetos da companhia;
- Início, retomada ou paralização de comercialização de algum produto ou serviço;
- Descoberta ou desenvolvimento de nova tecnologia por parte da companhia.
Ainda constam, na lista de EXEMPLOS, outros atos e fatos ponderáveis que dizem respeito à participação e controle societário e/ou acionário, aspectos associados à listagem em bolsa, emissão de ações ou fechamentos de ações ou mesmo da companhia, informações contidas em relatórios trimestrais e questões sobre dívidas, como pedidos de recuperação judicial.
Cabe lembrar que a lista de EXEMPLOS não é exaustiva, sendo facultado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) incluir outros itens, caso julgue aplicável à definição exposta no Artigo 2° da Resolução N° 44/2021.
Contudo, analisando tanto a definição quanto todos os exemplos listados, fica claro que as informações relevantes a que se refere a tal Resolução são dificilmente acessíveis por um investidor de varejo/pessoa física.
Logicamente, não custa se manter atento, bem como ler e compreender a Resolução 44/2021 e suas eventuais atualizações; afinal, todos nós queremos prosperar dentro da legalidade e das boas práticas do mercado.
Depois do estudo todo, ainda vale à pena observar a economia real?
Certamente que SIM! sabendo que se trata de uma estratégia legítima, legal e que funciona bem como “bússola” para o investidor, pode ser um ótimo ponto de partida para o início de um estudo mais atencioso, para fundamentar bem a importante decisão de investir ou não em uma companhia de capital aberto.
Inclusive, você investidor diligente e inteligente, já deve ter percebido que, quando devidamente combinada com estudos mais completos, a observação da economia real pode representar uma boa chance, dentro da legalidade, para obter retornos anormais, de acordo com a hipótese do mercado eficiente.
Se algo que te contei não ficou completamente claro, nos envie uma mensagem através da página Entre em contato que ficaremos felizes em tirar sua dúvida.
Forte abraço e sucesso!